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Lei que coloca advogados no mesmo plano do juiz em audiências gera frustração

O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou na quarta-feira (28/12) a Lei 14.508/22, que estabelece que os advogados das duas partes deverão se posicionar no mesmo plano e em igual distância para o juiz do caso nas audiências de instrução e julgamento. No entanto, muitos causídicos acreditam que a medida não terá efeito prático relevante.

Maioria dos especialistas diz que lei não deve provocar mudanças em ações criminais
Foto: Joubert Lúcia /TJMG

A lei é uma demanda antiga da advocacia. O presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti, afirmou que a aprovação da norma foi uma vitória da classe e resultou de uma luta histórica travada pela entidade que ele comanda.

De autoria do deputado Carlos Bezerra (MDB-MT), o texto reafirma que não existe hierarquia e nem subordinação entre os advogados nas audiências.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é advogado, também se mostrou desde o primeiro momento um entusiasta da lei. “Ela tem muito mais um simbolismo. No final das contas, é a leitura de que ninguém é melhor ou maior do que ninguém na relação processual”, disse ele em entrevista à Rádio Senado.

Na prática, contudo, a teoria é outra. De acordo com a maioria dos advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o texto tem um defeito grave: não cita os membros do Ministério Público, e, dessa maneira, não resolve o problema da disparidade de armas entre as partes nas ações criminais, sobretudo no Tribunal do Júri, já que o integrante do MP pode se posicionar ao lado do juiz e o advogado responsável pela defesa não pode.

“Essa lei não mudou nada. O objetivo da proposta não foi alcançado. Se você ler a exposição dos motivos e a posição do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, vai entender que o objetivo da proposta não foi cumprido”, afirmou o criminalista Mauro Nacif.

Segundo ele, a justificativa para o PL que deu origem à lei foi o Tribunal do Júri, mas isso não foi devidamente especificado no texto aprovado. “A disposição dos membros do MP no Tribunal do Júri afeta a parcialidade. Apesar do entendimento do Supremo Tribunal Federal, os jurados são leigos e são afetados pela posição do MP em relação ao juiz”, defende Nacif.

No mês passado, o STF decidiu que a regra prevista no artigo 18, I, “a”, da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/1993) e no artigo 41, XI, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993), que determina que o promotor deve ficar ao lado do juiz, não é inconstitucional.

Os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli seguiram o entendimento da relatora da ação, ministra Cármen Lúcia.

Já os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Rosa Weber divergiram parcialmente do voto da relatora.

Alteração cosmética
O advogado e professor da PUC-RS Aury Lopes Jr. está entre os que acreditam que a nova lei em nada vai melhorar a vida dos advogados criminalistas.

“Não se iludam, essa é uma alteração cosmética e que não gera qualquer modificação no processo penal, pois não atinge o MP, que continuará sentando ao lado do juiz, em nítida superioridade estética em relação à defesa. E no júri, aos olhos dos jurados, essa falta de estética de partes iguais entre acusador e defesa é gravíssima, um obstáculo insuperável para quem busca um processo justo e democrático, do século 21.”

Quem também critica o texto é Conrado Gontijo, sócio do escritório Corrêa Gontijo Advogados e doutor em Direito Penal Econômico pela USP. Segundo ele, a nova lei tem impacto muito limitado e não solucionará um problema importante dos julgamentos criminais, já que fala apenas em assegurar que os advogados das partes fiquem, nas salas de audiência, em posição equidistante do juiz, sem mencionar os membros do MP.

“Essa previsão não soluciona um problema essencial, que aparece com recorrência, em especial nos casos criminais. A lei não assegura que acusação e defesa fiquem em igual posição. Com isso, o Ministério Público seguirá, na maior parte dos tribunais, ao lado dos magistrados, enquanto a defesa seguirá em lugar distinto, mais distante, o que revela um desequilíbrio de forças na dinâmica processual penal, um evidente desrespeito à paridade de armas e ao devido processo legal.”

O advogado Welington Arruda tem o mesmo entendimento: “Na prática, o MP continuará sentando ao lado do juiz, notadamente no Tribunal do Júri”.

Tiago Bunning, especialista em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, acredita que o novo regramento ficou longe de apresentar uma composição cênica que respeite o sistema acusatório nos processos criminais.

“A nova lei se preocupa com a preservação de um sistema acusatório, mas, infelizmente, sua aplicação parece não abranger os processos criminais, em razão dos termos ‘jurisdição contenciosa ou voluntária’, uma vez que esta última não se aplica ao processo penal, além dos termos ‘autor’ e ‘requerido’, típicos da jurisdição cível”, sustenta ele.

O criminalista Mário de Oliveira Filho também entende que a lei não vai produzir qualquer efeito na área criminal. “Apesar de constar explicitamente a sua aplicação nas salas de audiência também da Justiça Criminal, desperta a atenção a expressão ‘os advogados do autor e do requerido’. Ora, essas expressões são típicas do cível e da área trabalhista. Não da criminal. O MP está excluído do texto legal”, reclama.

Interpretação hermenêutica
O jurista Lenio Streck, por outro lado, defende uma interpretação menos literal da lei. “Mesmo que a palavra réu não apareça na lei, é evidente que em todos os processos (procedimentos) a posição deverá ser no mesmo plano e equidistante. Não se pode fazer uma leitura textualista que leve a uma interpretação da lei em fatias”, argumenta ele.

Streck explica que é preciso interpretar a lei a partir de sua finalidade. “Pense em uma placa que diz que é proibido levar cães na plataforma. Dá para levar urso? Vai barrar o cão-guia dos deficientes visuais?”, provoca.

O jurista afirma que a nova lei — segundo a sua interpretação — deve prevalecer em relação à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. “Na prática, a Lei 14.508/22 revoga o dispositivo da lei complementar que dá direito ao promotor de se sentar ao lado do juiz. A lei foi especialmente feita para modificar o modo de sentar da audiência.”

Lenio reconhece, todavia, que haverá controversias na interpretação. “De todo modo, uma lei não pode ser inútil. Não havia diferenças entre advogados a ser resolvida. O que há é a diferença topográfica entre MP e advogados. Esse foi o objeto da ação no STF.  Essa era a diferença.  A nova lei não falou em membros do MP. Mas fala em igualdade de tratamento topográfico. Ora, os advogados terão o mesmo tratamento topográfico só entre si? Bom, isso já existia. Qual a novidade? Assim, parece razoável entender que nisso se incluem os membros do MP. Mas esse legislador bem poderia fazer um cursinho de como fazer leis